Eu
perdi um ente. Não foi um parente. Foi um dente. Um dente? Perguntarão a si
mesmos aqueles incrédulos das superficialidades da vida. Mas o choro de luto
por uma perda dessas seria unicamente futilidade? Mereceria esta parte de nosso
corpo (que muitas vezes só lembramos quando dói, ou quando a perdemos nas
extrações sofríveis) tanto caso a ponto de uma reflexão existencialista? Ou até
quem sabe de um simples verso narrativo poematizando as últimas horas de quem
tanto contribui para pôr o alimento barriga adentro, literalmente? Se o dente
for de um poeta vale tudo isso e muito mais. Primeiramente, porque o poeta
veste-se de poesia, e faz poesia de tudo que acontece a sua volta. No caso,
hora descrito, ao falecido tinha sido dado o prolongamento da vida. Melhor
dizendo: sobrevida. Isso porque, estripulias não mais podia fazer. Nada daquele
churrasco maciço de bisteca. No mais, uma carne bem macia. E sobreviveu o
quanto pôde...
O
tempo passou. E com o tempo veio à velhice. Descobri que os dentes também envelhecem.
Chega um tempo em que perdem o vigor da mastigação soberba. Aquela em que
podemos quebrar uma castanha-do-pará numa só dentada. Por fim, meu dente mais
enfeitava do que participava da vida funcional de minha boca. Foi extraído. Não
que estivesse podre (aliás, ninguém gosta que seja atribuído esse adjetivo a
seus dentes), já que era um dente reconstruído. Mas porque viveu toda a vida
que lhe foi dada.
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