sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Felicidade de Pobre

imagem da internet

Ele era um nada por completo. Filho bastardo de Malena, famigerada meretriz do calçadão de Copacabana na década de oitenta.

Cresceu sem o amor materno. Uma vez que os seios da mãe não davam conta de “amamentar” filhos e amantes ao mesmo tempo. Por isso, tornou-se nômade na infância: visitava orfanato aqui e açula. Numa coisa feliz: tornou-se mendigo ao invés de ladrão, ou outra coisa pior.
O garoto com nome na infância transformou-se em adulto sem passado. Não possuía documento algum. Nem tão pouco a dignidade de um nome. Assim, sem nome, atendia por meros pseudônimos: Mendigo, Sujeira, Zé, Porcaria ou Qualquer Coisa.
A luta suada pelo pão de cada dia o fez homem trabalhador. Seu oficio era catar papelão nas proximidades da Avenida São João. Nas horas vagas, namorava Jesuína, prostituta de meia idade que atendia na Rua Augusta, coração de São Paulo.
O dia se fez comum aos outros. Já a sorte não. Estava Zé Ninguém na sua labuta diária, revirando papelão, quando de súbito seus olhos flamejaram ao ver um bilhete de loteria meio amassado no fundo da lixeira. A ação na tardou. Recolheu o bilhete e como todo “bom pobre” sonhou vida nova na esperança da sorte está contida no cartão.
Pondo-o no bolso, pôs-se rumo ao cafezinho da esquina. Parou diante da porta de entrada fitando os olhos em direção a televisão posta sobre o balcão de atendimento. O apresentador dizia:
_Foram sorteados, ontem à noite, os números da sena: 05, 28, 30, 50, 14, 07.
Mendigo retirou o cartão do bolso. Fez a leitura dos números (ler números ele sabia, ainda que pouco). Alegria infinita! Os olhos flamejaram num instante. Acabava de ser o mais novo ganhador da loteria. Alias, ele não, e sim o bilhete achado. Mas quem se importaria com isso nessas alturas?
Fez-se de “bom pobre” novamente indo ter com sua fortuna o primeiro encontro. Uma maleta cheinha. Sacou todo o dinheiro de uma só vez. Dali um carraço esportivo, desses de filme de ação. Isso depois de muito tentar convencer o vendedor de sua fortuna, já que a aparência não demonstrava.
Chegou pousando de galã em frente ao cortiço da puta-amante. A sonoridade grava da buzina do carraço, fez Jesuína abandonar um cliente em meio aos deleites da cama. Atraída não se sabe pelo mistério da cena ou o fascínio do carro, ela desceu rapidamente as escadas do velho cortiço. Entrou sem avaliar o perigo, no carro. Ao entrar, viu Jesuína Qualquer Coisa a acender um charuto cubano com uma nota de cem reais. Partiram guiados por um “chofer”.
Primeira parada: salão de beleza. Fizeram tudo a custa do premio. Ele, barba, cabelo, pés e unhas. Ela, escova, chapinha, maquiagem e massagem facial. Seguindo, compraram roupas de grife e sapatos importados. Por fim, revitalizaram os semblantes com dentaduras novas.
Brindaram a noite num motel luxuoso de São Paulo, suíte presidencial, onde estiveram a salvo das interrupções diárias de clientes de Jesuína alheios ao seu horário de descanso ou de trabalho.
O sol da segunda feira raiou. Os amantes dispuseram-se a enfrentar a “ressaca amorosa” com um passeio pela cidade. Lá pelas tantas, Zé Ninguém depara-se com um dos seus. Para retribuir o gesto de amor que por tantas vezes lhe fora prestado, dá, por entre o vidro e a janela, uma esmola “generosa” de dez reais para o pedinte. Espanto geral! Não pela esmola gorda. Mas por essa ser a última notinha da maleta.Voltou ao motel para encarar a realidade: carraço, setenta mil reais. Roupas e são de beleza, dez mil reais. Noite de amor, dez mil reais. Frustração e mais nada. Do dia para a noite sua vida mudou. As oito da manha, catador de papelão. Às três da tarde, homem de sorriso de ouro. Nas horas da noite, nos prazeres de uma meretriz feita ninfeta maquiada. E na manha da segunda feira, sem carro com a sola do pé no chão, sem roupas com as vergonhas quase a amostra. E sem mulher só sua: verdadeiro Zé Ninguém. ..

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