De
autoria de João Batista da Silva Leitão de Almeida
Garrett,
Viagens
na minha terra,
como afirmou o próprio Garret, é um livro “despropositado” e
“inclassificável”, uma vez que as espécies literárias
misturam-se: relato jornalístico, literatura de viagens, idílio
amoroso etc. Tudo numa só obra. E é justamente essa impureza dos
gêneros a principal marca deste livro. Almeida Garrett promove o
ineditismo ao introduzir na literatura portuguesa “a narrativa
dentro da narrativa”. Mas vale ressaltar que o seu gênero
“literatura de viagem” já estava em voga. O próprio Garrett
deixa claro que a sua obra é fruto do contato com esse tipo de
escrita: “que
viaje a roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes (...)”.
Numa clara correspondência com Voyage
autour de ma Chambre, de Xavier de Maistre.
Como
já citei há duas narrativas contadas numa só. Dividido em 49
capítulos, primeiramente, o livro narra a viagem verídica que o
autor fez até Santarém a convite de seu amigo Passos Manuel. Não
se trata de uma viagem simplesmente turística, em que somente a
contemplação da beleza é descrita. Mas de um relato de viagem em
que o autor tece diversos comentários sobre a situação em que
Portugal se encontra, quanto a: riqueza, progresso, literatura,
política, modéstia, guerra, clero, amor etc. Isso podemos perceber
em passagens como: “a
ciência deste século é uma grandessíssima tola. E, como tal,
presunçosa e cheia de orgulho dos néscios”.
“a
sociedade é materialista; e a literatura que é a expressão da
sociedade, é toda excessivamente e absurdamente e
despropositadamente espiritualista”.
A
segunda narrativa inicia quando o autor chega a Santarém e passa a
contar a paixão vivenciada entre o casal de primos Carlos e
Joaninha. Esse idílio amoroso merece especial atenção. Joaninha –
a menina dos rouxinóis – representa perfeitamente a imagem da
mulher romântica: seus olhos são verdes, é integra, pura e fiel a
seu amor (Carlos). Tem apenas sua avó no mundo. Uma senhora já
bastante idosa e cega. Recebe a visita, todas as sextas-feiras, de
Frei Diniz. Frade franciscano que escondeu por muitos anos ser o pai
de Carlos. Frei Dinis representa o velho poder do estado. Imutável
as mudanças. Temos, também, Georgina, mulher que divide o amor do
coração de Carlos. E por fim, temos o personagem Carlos que
representa o alter ego de Almeida Garrett.
O
tempo entre as duas narrativas não é linear. Entre uma e outra o
autor faz diversas digressões sobre assuntos suscitados pela
observação do estado atual de Portugal: desde o canto dos rouxinóis
a situação política vigente. Só depois disso que Ele assume a
narrativa deixada anteriormente. É um narrador-autor, em que a
primeira pessoa predomina. Utiliza-se de vocativos para prender a
atenção do leitor (leitora) ao enredo da obra: “leitor benévolo,
leitor amigo...”. Deixa clara a recusa clássica de se fazer
literatura ao deixar de lado os amiúdes das descrições clássicas:
“vamos
à descrição da estalagem; não pode ser clássica; seja
romântica”.
Segundo
Massaud Moisés (A literatura portuguesa, 2010) “o mais
significativo da obra reside no idílio entre a campônia e ingênua
Joaninha e o inglesado e conflitivo Carlos”. Em Carlos, percebe-se
a “projeção confessional da própria vida interior de Garrett:
Carlos é talvez o mais autêntico de seus alter
egos”.
Já Joaninha, como já disse, representa o ideal romântico de
mulher. Sua relação com Carlos nos faz lembrar o fim trágico dos
amores românticos que conhecemos: Joaninha ao saber que o amor que
Carlos sentia por ela era dividido com outra mulher (Georgina)
entristece-se e morre de desgosto. Já Georgina, não tendo o seu
amor concretizado por Carlos, enclausura-se como abadessa de um
convento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Gostou? Deixe sua opinião