sábado, 28 de maio de 2011

Revisitando a gênese da nossa Literatura

                                                                             Dedicado a doce Angélica. Mulher que tanto a Amo.
       “O Brasil colonial não era igual a Portugal/
      a raiz do meu país era multirracial...”    (Gabriel “O Pensador”)
Nas rimas de Gabriel, O Pensador, temos versificada a origem étnico-racial do nosso povo: uma verdadeira aglutinação de raças. E o que dizer quando tratamos da formação literária desse mesmo povo multirracial? Mais especificamente da gênese de nossa literatura. E mais especificamente ainda: se no período de formação da colônia portuguesa, se de fato tivemos aqui uma Literatura?
                      O Brasil colonial realmente não era igual a Portugal
Discutir a gênese da nossa literatura é revisitar também a situação que nosso país se encontrava enquanto colônia portuguesa. Bem sabemos que por muito tempo não houve interesse de Portugal em instituir aqui, no recém achado “eldorado”, um desenvolvimento que não fosse unicamente ligado a extração de nossas riquezas como bem relatou Frei Vicente do Salvador: “E deste modo se hão os povoadores, os quais, por mais arraizados que na terra estejam e mais ricos que sejam, tudo pretendem levar a Portugal...” (VERÍSSIMO, 1998:41).
A ocupação do nosso território não se deu num único estágio. Pelo contrário, foram necessários séculos para se constituir aqui uma ocupação do solo brasileiro, que de fato pudesse garantir a posse da colônia aos domínios de Portugal. No inicio, com o intuito de apenas marcar o território conquistado, os primeiros habitantes que para cá foram enviados, não passaram de marginais e degredados da corte sem a mínima condição de aqui estabelecerem um progresso, no mínimo, primitivo. Só tardiamente, cerca de um século e meio depois do descobrimento, é que Portugal enviou para cá colonos de cultura mais adiantada. Homens que, provavelmente, conheciam desde a poesia camomiana ao teatro vicentino. Isso, porém, não significou um avanço no desenvolvimento da colônia. Se por um lado, Portugal vivia num mar cultural, o mesmo por aqui não acontecia. No máximo, os primeiros alentos da literatura, por aqui, só viriam aparecer graças à ação educacional dos jesuítas com a abertura de seus “colégios” como nos diz José Veríssimo, e não por uma produção realmente voltada para a literatura em si.
Essa produção só viria a instalar-se em nossa terra, quando da mudança de pensamento do português em relação à metrópole. Pois, por muito tempo nosso solo brasileiro foi visto apenas como “a terra a ser ocupada, o pau-brasil a ser explorado, a cana-de-açúcar a ser cultivada, o ouro a ser extraído; numa palavra, a matéria-prima a ser carreada para o mercado externo” (BOSI, 2006:11).
De fato, o Brasil não era senhor de si mesmo. E é claro que essa dependência refletiria no processo de formação de nossa Literatura.

       Os primeiros textos: Literatura?Ou manifestações literárias?
Hoje não parece mais haver dúvidas quanto à classificação dos primeiros textos aqui escritos. No entanto, com a finalidade de se fazer uma analogia do modo como os autores em questão discorreram sobre o inicio da nossa formação literária, é que me ocupo nos próximos parágrafos.
O estudo de formação da nossa literatura começa com um questionamento: seriam de fato, os escritos que descrevem o então Brasil/colônia literatura de fato ou apenas textos providos de literariedade?
Para Antonio Candido, os primeiros textos que retrataram as primeiras impressões da terra então “achada”, não representam uma literatura como sistema e sim manifestações literárias. Pois, “para se configurar plenamente como sistema articulado, ela [a referida literatura] dependia da existência do triângulo ‘autor-obra-publico’, em interação dinâmica, e de uma continuidade da tradição” (CANDIDO, 1997:16).
Esses primeiros escritos, como sabemos, não dispuseram de uma relação literária entre si, a ponto de apontarmos uma característica comum no sentido de classificação, apesar de a carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel Sobre o Achamento do Brasil (MARTIN CLARET, 2006), constituir um gênero muito utilizado por navegadores da época, as narrativas de viagem. Outro fator relaciona-se à tomada de consciência do papel do escritor. Este, naquele momento, parecia não ter consciência de seu papel. Segundo Antonio Candido a falta desses elementos, é que justificam a classificação dos primeiro textos como sendo apenas manifestações literárias e não o inicio de uma literatura. O que só mais tarde viria acontecer.
Já Alfredo Bosi na sua História Concisa da Literatura Brasileira não discute essa questão da literatura como um sistema. Ele, no capitulo I (a condição colonial) tem claramente que “os primeiros escritos de nossa vida documentam precisamente a instauração do processo: são informações que viajantes e missionários europeus colheram sobre a natureza e o homem brasileiro. Enquanto informação, não pertencem à categoria do literário, mas à pura crônica histórica...” (BOSI, 2006:13). Feito isso, ele passa a discorrer de forma sucinta sobre os principais textos informativos que temos daquele período.
Essa discussão da formação inicial da nossa literatura não se restringe apenas as ideias de Alfredo Bosi e Antonio Candido, escritores como José Veríssimo e Sílvio Romero, além de muitos outros, também se empenharam em discutir como se deu tal processo. Apenas por fins acadêmicos é que me limitei apenas aos dois primeiros. 
O Brasil conhecido por meio de narrativas: os textos de informação.
Mesmo distante da então terra “achada”, ainda sim, o português, ficava sabendo o que por aqui acontecia. E era até capaz de imaginar os mínimos detalhes da inóspita terra: desde as paisagens naturais à beleza corporal das indígenas. Isso graças aos textos (cartas) de informação por aqui produzidos, ricos em descrições minuciosas, e enviados a Corte portuguesa, daí ser conhecido, também, esse período por Literatura Epistolar. Merecem destaque os seguintes textos:
a) a Carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel Sobre o Achamento do Brasil;
b) o Diário de Navegação de Pero Lopes de Sousa;
c) o Tratado da Terra do Brasil e a historia da província de santa cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil de Pero Magalhães Gândavo;
d) a Narrativa Epistolar e os Tratados da Terra e da Gente do Brasil do jesuíta Fernão Cardim;
e) o Tratado Descritivo do Brasil de Gabriel soares de Sousa;
f) os Diálogos da Grandeza do Brasil de Ambrósio Fernandes Brandão;
g) as Cartas dos missionários jesuítas;
h) o Diálogo sobre a Conversão dos Gentios do Pe. Manuel de Nóbrega;
i) a Historia do Brasil de Frei Vicente de Salvador; 
              A Carta de Caminha
Um dos textos mais importantes que trata do período colonial brasileiro é sem dúvida a Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel Sobre o Achamento do Brasil (MARTIN CLARET, 2006). Pois, pelos olhos de Cabral, a coroa portuguesa pôde ter a noção do que aqui havia: “... e creia bem por certo que, para alindar nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu”, escreve Cabral.
O primeiro contato da tripulação com os nativos é assim descrito por Cabral: “... ao chegar o batel a boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhe cobrissem suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijamente sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram...”. (MARTIN CLARET, 2006:93).
Caminha realizou verdadeiro prodígio de síntese em sua narrativa. Daí alguns historiadores o considerarem um perfeito escritor. Toda a extensão de sua carta reflete uma descrição total da terra achada. Segundo Jaime Cortesão, a carta de caminha é considerada “uma obra clássica, não somente pela sua expressão humana e humanística, mas pela condição de obra-prima literária de um gênero muito português e muito quinhentista: as cartas-narrativas de viagens, dirigidas a el-rei, em que se colhem na espontaneidade nativa das emoções a força intima dos caracteres e modos de a dizer” (MARTIN CLARET, 2006:88). Também temos aí, segundo Alfredo Bosi, “um espírito observador, ingênuo (no sentido de um realismo sem pregas) e uma aparente ideologia mercantilista batizada pelo zelo missionário de uma cristandade ainda medieval”. (História Concisa da Literatura Brasileira, 2006:14).
Os demais textos, também, têm a sua importância para o estudo aqui proposto. No entanto, podem ser analisados, ambos, pertencentes ao chamado estilo de “crônicas”. Parecem assemelhassem no registro que faziam de tudo que por cá acontecia. Nesses escritos não podemos encontrar uma veia artística. Diferentemente, o mesmo não se pode dizer dos escritos do Pe. José de Anchieta. Além dos escritos de um autor mestre e apóstolo, temos um Anchieta dramaturgo e poeta. Todavia será na sua poesia que encontraremos uma estrutura literária.
Por fim, os primeiros textos daquele período têm valor apenas documental: registraram a formação da nossa história e o pensamento, as intenções por parte dos colonos em relação aos habitantes que por aqui já faziam morada. se gostou, por favor, não "COLE"! Leia a relação de obras citadas e produza seu próprio texto.

Referências
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 43 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira I. Rio de Janeiro: Editora Itatiaia Limitada, 1997.
ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira: de Bento Teixeira, 1601 a Machado de Assis, 1908. 5° ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA A El-Rei D. Manuel Sobre o Achamento do Brasil. Martin Claret, 2006.

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