Esta é uma continuação do Mistério do Mapinguarí
Naquele
ano, a cheia do Tapajós fora uma das maiores que os ribeirinhos já haviam
presenciado. As maronbas já estavam bem próximas do telhado. Nem o cemitério
São Pedro havia poupado. E o pior disso foi que algumas sepulturas desceram
pororoca a baixo. Entre elas a do temido vei Mariano. Para quem muitos virava
bicho nas noites em que a lua se escondia. Mas deste velho defunto, além da
lembrança de medo restou, no cemitério quase submerso, partes do caixão de
madeira roliça que parecia ainda intacta junto com o livro de capa preta. Sim,
o mesmo que o acompanhou no caixão. Logo, o mesmo medo de outrora tomou conta
dos ribeirinhos. Mas como? Se em todos esses longos anos nem uma aparição de
“bicho” se fez naquela localidade. “Ainda não se fez. O mal tem a sua hora
certa...” Com voz trêmula disse um dos caboclos mais velhos da comunidade. Esse
mesmo homem, ignorando o medo e as maldições que o acompanham, pegou o temido
livro e o levou para sua velha tapera. Parece que este fato de interromper o
sossego dos defuntos despertou as aparições antes quietas. Já nessa mesma noite
a calmaria dormiu bem distante da comunidade: o banzeiro nas águas do Tapajós
amedrontou até mesmo o mais experiente canoeiro; os cães latiam sem parar em
direção à mata; esturros se ouviam na imensidão da floresta escura...
Pela
manhã, os comunitários acreditavam que todas as “misuras” da noite anterior só
apareceram porque o livro de São Cipriano fora retirado do caixão do “vei
Mariano”. E de forma hostil expulsaram o senhor que havia retirado o livro do
caixão. Pois, acreditavam que o livro dava forma a uma antiga lenda mítica da
Amazônia, em que, por meio de orações macabras, o homem se transforma num gigantesco
macaco devorador de cabeças: o lendário Mapinguarí.
O
velho então pegou alguns molambos, um pouco de fumo, a antiga poronga, pôs tudo
em uma bajara e foi-se para as bandas de Óbidos. Mais precisamente na Serra da
Escama. Alguns dizem, que na verdade ele se transformou em boto para enfrentar
as águas barrentas do amazonas.
Tendo
chegado, buscou morada no topo da serra onde nenhum vizinho poderia curiar a
sua vida.
Os
habitantes locais que chegaram a vê-lo amedrontaram-se com sua aparência
rústica de caboclo indígena. E ele era. Descendia dos velhos Tapuios acima da
Cachoeira do Aruã.
Se
todo mal tem seu momento certo para acontecer, como ele mesmo havia dito, a
noite de sua chegada pareceu à hora marcada. Nem bem a boca da noite deu as
caras e um misto de medo e apreensão tomou conta da comunidade. Ouviu-se um
esturro seguido de uma correria mais feia do mundo nas brenhas da mata. Os
moradores armados adentraram a floresta na picada de onde vinham os esturros. O
desespero foi grande quando se depararam, num pequeno barraco ainda sendo
coberto por algumas palhas de açaizeiro, com um homem jogado ao chão numa
macabra metamorfose: os ossos todos contorcidos, nas mãos garras maiores que as
de um gavião-real, os olhos juntavam-se na fundição de um só bem no meio da
testa, a boca havia sumido, mas apenas de lugar, pois apareceu no estômago bem
no lugar do umbigo. Os bravos caçadores não tiveram dúvida: era o forasteiro
virando bicho. Evocando preces malignas do livro da capa preta em cima de uma
boroca. Querendo metamorfosear-se no Mapinguarí. Mas antes mesmo do homem virar
bicho por completo, a experiência dos homens daquelas bandas fez com que, como
reza a lenda, perfurassem o umbigo da criatura levando-o a morte.
O
corpo do velho tapuio, assim como todos os seus pertences foram enterrados num
caixão de paxiúba numa velha fossa.
Agora
vá lá saber se realmente a morte conduziu a fera para bem distante do mundo dos
vivos. Ou se a criatura se fez de morta para amedrontar outras comunidades...
Muito Bom Gostei!!
ResponderExcluirSou Ilustrador e desenhista de HQ e estou desenhando e desenvolvendo uma história para minha HQ que envolve todo esse Universo Folclórico, com varias lendas Amazônicas e tudo mais. Mas meu forte mesmo é desenho e criação.
Se tiver interesse em escrever e fazer uma parceria para publicarmos, só me mandar um email.
jfmwebdesigner@gmail.com
Abraço