Amar e deixar-se amar.
Talvez a vocação primeira do ser humano. E deixaram-se amar. E foi por isso que
até hoje, cerca de seis anos depois, amam-se num amor divinal. Mas de quem
estamos falando? Deixem-me apresentá-los.
O ano é por volta de
dois mil e seis. O cenário, um encontro de Ceb no Ginásio do Colégio Dom
Amando. O primeiro olhar partiu unicamente dela. Olhar silencioso e particular.
A paixão nascia ali. Sim. Mas um amor desse tipo não é vivenciado sozinho. Embora
naquele momento seu olhar tenha ficado a espera de uma resposta. Resposta esta
que não veio por parte dele: rapaz de altura mediana, cabelo crescido, diversos
colares no pescoço, pulseiras artesanais no punho, e sem falar nos anéis de
tucumã que tinha em cada dedo da mão esquerda. Da parte dela, quem sabe se por
essa aparência não muito convencional faltou-lhe a coragem de chegar junto e
confessar o que acabava de sentir. Faltou coragem, ousadia. E sobrou medo...
Um ano depois e a
vocação nasceria. Reencontraram-se nas dependências do antigo Colégio Objetivo,
por ocasião do Curso de História da Igreja na Amazônia. Ela o reconheceu: ainda
usava colares e anéis. E ele a conheceu: olhos radiantes, cabelos negros e
lisos, lábios carnudos e provocantes, porém sem batom. E perdeu-se numa paixão
meteórica. Também era amor. Uma vez apaixonados viveram uma semana mágica. Não
se largavam um só instante. Acariciavam as mãos numa simetria perfeita.
Dialogavam como se se conhecessem há muito tempo. A intimidade aparente não
antecipou o momento certo do beijo. Que só veio lá pelo terceiro dia numa
escapada furtiva em plena hora de almoço. Um único beijo. Como se deixaram
entrelaçar esqueceram-se do proibido: um pecado que impossibilitaria qualquer
tentativa de um namoro. Eram, pois, vocacionados a vida consagrada. Ele, prépostulante
a padre. Ela, aspirante à freira.
A partir da semana
seguinte não mais se beijaram. Não mais se encontraram. Assumiram de fato a
vida religiosa. Só nos olhares o amor se correspondia. Foi assim durante todo
aquele primeiro ano. O sentimento ficou mais distante quando, no ano seguinte,
ele cursou todo o postulantado em São Paulo. Sabe-se que durante este período
apenas uma carta foi escrita. E quando ela recebeu leu uma única vez e a
queimou em seguida. Tinha medo das superioras descobrirem.
Passado esse ano, ele
retornou e foram vivenciar o noviciado em dois mil e oito. Naquela época as
duas congregações caminhavam juntas. Embora estivessem próximos, os corações se
distanciavam. Ela relutava em seguir o caminho religioso. Ele a perseguia com
olhares, apertos de mãos e abraços íntimos. E a cada oportunidade que tinha de
abraçá-la sussurrava ao pé de seu ouvido: “eu te amo”. Realmente, o amor lhe
tomara de conta. Perdeu totalmente o interesse pelo convívio comunitário. As
laudes, hora média, vésperas e completas não passavam de leituras demoradas.
Nas adorações ao Santíssimo, adormecia na capela num sonho em que somente ela
fazia parte. Sonhos sem amassos. Sem pecado. Sonhos simplesmente de amor... E nem
nos passeios e convívios sentia interesse. Nesse ritmo, embriagou-se numa
tristeza e angústia sem fim. Queria a todo custo provar novamente daquele doce
e suave beijo de quase dois anos atrás. E em meados de agosto pediu dispensa.
Três anos de seminário e uma saída que nem mesmo ele sabia o motivo. Se era
amor, paixão ou vocação só o tempo responderia.
Ela continuou na vida
religiosa. Meses depois também viria a sair. Assim como ele, não soube definir
o motivo. Levaram vidas separadas até certo ponto. Ou melhor, até ele saber que
ela também havia saído. Quando soube, partiu numa busca desenfreada por quem
tanto se apaixonara. E tempos depois revelavam ao mundo o amor que durante todo
aquele tempo de congregação se manteve escondido. Sim. Finalmente juntos!
Hoje completam quase
seis anos de um amor que se revigora a cada instante. Não acreditam que
perderam a vocação que tanto almejavam. Pelo contrário, encontraram a vocação
que de fato lhes era devida. Pois, de toda essa experiência lembram com total
exatidão da antiga frase que ficava na sala do convento e que em diversas
ocasiões refletiam-na juntos e que hoje, acreditam que ela responda
perfeitamente o destino que traçaram, ou que lhes foi traçado: “Nossos caminhos
são mistérios da Divina Providência”.
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