quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Leo, Norma e Dostoiévski

Sempre imaginei que as novelas de nada servissem a não ser apenas para fabricar jargões que facilmente caem na boca do povo; ditar moda vestuária e alimentícia. E fazer do povo bonecos de fantoche que confundem a própria vida com a trama que assistem. Mas enganei-me. Como assim? Pergunta o leitor atento. Entre mocinhos e vilões, não é que a Literatura se fez presente! Não entendeu? Calma. A Jandira (coleguinha da personagem Norma) também não. Eis como a literatura “quase roubou a cena”.
No capitulo 66 de Insensato Coração, Norma toma um exemplar de Crime e Castigo de Fiódor Dostoievski, olha a capa e diz: “que livro pesado...”. Jandira, sua colega de cela, responde: “é grande, sim, revista é mais leve”. Norma esclarece: “não, eu tava falando que ele é denso, forte. Quando a gente lê aprende mais sobre a vida. Achava que sabia muito coisa, mas só agora comecei entender melhor as pessoas...” (trecho extraído da revista Metáfora ano1 – Nº1 setembro de 2011, p.16)
Após o contato com Dostoiévski, a personagem Norma adquire o poder que a leitura e principalmente a Literatura nos proporciona: a transformação social. O evangelho tão anunciado por Paulo Freire.
Norma abandona o véu da inocência que a fez perecer por crimes não cometidos. E chega até afirmar que se tivesse lido anteriormente, jamais teria sido enganada. Mas o inquieto leitor deva estar se perguntado: onde está o mal aí presente? Fique sabendo você que em abril muitos fãs incontestáveis da teledramaturgia ligaram desesperadamente à Central Globo de Atendimento ao Telespectador a fim de terem em mãos a lista dos livros que compunham a Biblioteca de Norma. Bom saber que a Literatura desperta emoções. Infelizmente, porém, é saber que mais uma vez a “telinha” ditou as regras do viver.


quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O MISTÉRIO DO MAPINGUARÍ

Sobre a mesa a garrafa de café encardida, o cachimbo recém usado e uma velha “poronga” que alumiava o interior do barraco de taipa. Num canto próximo ao camburão com milho e as sacas de feijão e farinha, uma vela acessa. Ajoelhado diante dela seu João Tenório, um velho senhor malacafento, roga a seu santo sorte na mira da espingarda. Terminada a reza, o homem amarra em um dos pés um enorme dente de jacaré para expulsar de si todo e qualquer perigo de ser picado por cobra. Em seguida, senta-se no único tamborete da casa segurando firmemente a espingarda. Acende novamente o cachimbo e assim, calmamente, espera por um novo ataque do maldito bicho. Seria realmente o lendário monstro o responsável pela matança de muitos de seus animais nas noites anteriores? Ou seria apenas a ação de um caboclo vadio, querendo matar a sua ingrata fome e meter medo nesse pobre senhor?
A noite seguiu sem novidades. O silencio era predominante. Até que no principio da madrugada a calmaria deu lugar a tormenta. Os cachorros começaram a latir desesperadamente em direção a mata. Os animais do sitio debatiam-se assustados. Foi exatamente nesse momento que um enorme estrondo vindo da selva seguido de um grito intenso fez o homem acordar e arrepiar-se por completo. Benzeu-se por três vezes fazendo o sinal da santa cruz. Abriu rapidamente a cancela e pôs-se com a espingarda em punho e a lanterna na mão em direção a primeira vereda que viu na mata. Chamou os cachorros, mas esses, com medo, se recusaram a obedecê-lo. Então correu sozinho seguindo o rastro do bicho a quebrar a floresta.
Passada quase uma hora de perseguição o homem cansou-se. Resolveu então esperar pelo bicho até aquele momento, desconhecido. Subiu em uma árvore mediana. E lá fez tocaia por mais de uma hora. A todo instante ele pressentia a presença do bicho. De repente... O mistério de qual bicho seria aquele responsável por dilacerar dez cabeças de gado, cinco porcos, dois patos e sete galinhas desvendava-se. Verdadeiramente, aquele senhor tinha razão. A fera revelou-se: enorme, pra mais de dois metros de altura, pêlo grosso, mais grosso que qualquer couraça que já tenha existido, unhas enormes e afiadas, na testa os olhos medonhos e na altura do umbigo a boca monstruosa. Tratava-se do lendário MAPINGUARÍ.  
O ouvido aguçado da fera colossal sentiu a respiração miúda do homem. E eis que o monstro exalou um piché, o que fez com que o senhor João perdesse as forças e caísse próximo aos pés da besta. O medo tomou conta do pobre senhor, mas ainda sim, esse não titubeou por completo. Ergueu a mão trêmula, mirou bem no umbigo do monstro e disparou a espingarda. Porém, a fera moveu-se rapidamente fazendo com que o cartucho atingisse apenas a proximidade de seu umbigo. Ferido, o bicho deu um pavoroso esturro agonizante e disparou, desnorteado, em meio ao breu da mata. Quase incrédulo pelo acontecido, seu João Tenório, ofegante, voltou para casa atordoado pelo confronto com o diabólico ser.      
Passado o episódio quase kafkiano, uma aparente paz voltou há reinar no sitio de seu Tenório. O silencio foi quebrado um dia com a chegada de alguns vizinhos que vieram convidá-lo a fazer uma reza na casa do já malacafento Mariano, morador longínquo da comunidade, de quem se dizia virar bicho durante as noites por causa de sua fisionomia fantasmagórica: esquio, barba encardida, cabeludo, olhos amarelados e a boca quase banguela, a não ser pela permanência das presas escuras.  Seu Tenório, de sangue tapuio nas veias, seguiu com os vizinhos até a casa do Mariano, a fim de providenciarem as Exéquias. 
 A casa era de uma aparência assustadora. Um livro de capa preta em cima do pitisqueiro chamava atenção dos visitantes. Na verdade, aquele morador não convivia com a comunidade. Ninguém sabia de sua origem. Rara às vezes, que acompanhava uma ladainha aqui e outra acolá, mas apenas de dia e sempre com atitudes estranhas. Dirigiram-se ao quarto e encontraram o velho de aparência amedrontante já agonizando na cama. Um lençol encardido cobria um ferimento de cartucheira bem na altura do umbigo. Questionado do ferimento, alegou ter disparado por distração o do badogue que pusera dias antes no quintal de casa com o intuito de capturar um veado. Não tardou e um último suspiro se viu sair de suas narinas. À boca da noite, enterraram-no em um caixão de madeira roliça na outra margem do Rio Tapajós.   
Na noite seguinte, o senhor João Tenório não mais acendeu vela, não fez reza, fez apenas o sinal da santa cruz uma vez só e passou a noite inteira, espreguiçado na rede atada sobre o paiol de arroz tomando goles compassados de café amargo. Em fim... o sossego.
E ainda tem caboclo amazônida teimoso que insiste em dizer que isso não passa de uma lenda.
  

REFLEXÔES SOBRE A VIDA...


Há muito essa indagação sobre nossa objetividade do viver vem ocupando parte das minhas poesias. Mas só agora decidi fazer disso uma reflexão maior.

O que é a vida? 

Viver é muito mais que deixar-se embalar pelo ritmo musical do “deixa a vida me levar/vida leva eu”. Mas por outro lado, viver é deixar-se embalar pela objetividade da vida expressa na canção: “e a vida o que é diga lá meu irmão...” e dessas reflexões vamos perceber que viver é perceber-se vivo e ter consciência de sua missão enquanto ser humano. Aliás, cada homem escolherá uma forma de ser: padre, médico, policial... Creio que cada homem deva assumir os dons oferecidos por Deus. Assim pensando a vida é uma longa estrada: o nascer é o ponto de saída; e a morte o ponto de chegada. No entanto, entre esses dois eixos é que de fato se faz a vida. Primeiro, escolheremos o que “ser”. Em seguida, preencheremos a nossa vida com as ocupações dessa escolha. Uns viverão das muitas tramas literárias; contos que se confundirão com a própria vida. Outros serão escravos de suas atividades profissionais. Outros ainda serão juízes, enquanto seus irmãos nunca passarão de réus confinados da inútil vida. Poucos serão ídolos, já muitos nunca passarão de fãs inconscientes. Mas para todos o viver não será eterno. Eterno apenas a morte... Em algum ponto da estrada o caminhante se deparará com o monstruoso abismo que a morte nos impõe. E quando esse momento chegar já deveremos ter feito valido à pena o sopro divino que sai de nossas narinas. Pois, é realmente curta a chance que o criador nos dá. Curta como a vida de uma borboleta... De toda essa reflexão uma coisa é certa: o que é essencial a vida sempre será invisível aos olhos da face. E se o essencial será invisível, o que na verdade viveremos será apenas o lado fútil, efêmero da vida. Diante disso, quando a brancura natural ou antecipada de nossos cabelos chegar, um arrependimento com certeza será inevitável: que a vida fora realmente muito curta...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

DATILOGRAFANDO


Nunca conheci pessoalmente essa velha companheira de meus contemporâneos. Acho que por isso não me considero poeta por completo. Ou um grande poeta. Acredito que hoje a arte da metrificação que dá nova vida as palavras tornou-se mais fácil. Pelo menos no que diz respeito a sua concretização formal deleitada sobre a página em branco: a vida impressa!
Fico imaginando a dificuldade da rápida captura do pensamento poético pelo poeta. Captura que, tardia, levava o poeta a difícil missão da correção. E de correção em correção o leito das palavras obscurecia-se em traços desagradáveis. Por isso, tenho nesses poetas uma admiração muito grande. Admiração que surge de minhas leituras. Dos clássicos não estacionados em minha biblioteca.
Hoje, não caminho pela mesma estrada. Tenho um notebook onde acredito compor poesias. E de maneira mais fácil. Se erro a concretização do pensamento, aperto DELETE e tudo volta ao normal. E entre semelhanças e dicotomias uma coisa persiste: o prazer pela arte de escrever.