segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Espelhos virtuais



Em tempos em que é quase obrigatório estar conectado as redes sociais para manter-se “vivo”, bem que a mais famigerada indagação de frente ao espelho poderia ser outra: “espelho, espelho meu” existe alguém nesse “face” mais bonito do que eu? E nesse caso, porque não fazer a pergunta diretamente ao espelho como fez a rainha que se sentiu ameaçada pela beleza da branca de neve? Na verdade, hoje o espelho não mais corresponde somente a forma material do objeto pela qual nos acostumamos a ver nosso reflexo físico refletido, e sim pelos diversos meios que podem revelar quem de fato somos, ou queremos ser. Lembremo-nos de Narciso que se viu refletido nas águas limpas e tranquilas que serviram como espelho revelador da condição de belo que a ele foi revelada no momento em que viu a se mesmo, ou melhor, conheceu a se mesmo. Do campo da mitologia para a literatura, lembremo-nos do conto machadiano “O espelho: esboço de uma nova teoria da alma humana” em que o espelho reflete não somente a forma física, mas a essência da condição humana. Pensando desta forma, hoje, as redes sociais, e em especial aquelas em que se pode postar fotos, atuam como espelho revelador da alma humana. Sim caro leitor, a mesma revelação do alferes machadiano.

“Mudam-se os tempos... muda-se o ser”. Hoje, o sinônimo de existência vai além da condição física real. Ela se confunde com a vida virtual: “Penso. Faço uma selfie. Posto no face, logo existo”. Resume o significado de existência na era das redes sociais. A famosa selfie tirada, quase sempre de frente ao espelho do banheiro, é antes de tudo o nosso momento narcisista, embora não completo, pois, no mundo da hiperexposição não basta vermos nosso rosto pelo espelho da fotografia do celular, é preciso que compartilhemos para que o olhar do outro lance sobre nós o julgo da subjetividade expressa em curtidas e comentários.

Diferentemente de Narciso, não mais conseguimos contemplarmo-nos sozinhos. É quase que inconcebível guardar somente para si aquele autorretrato. Queremos torná-lo público. Queremos despertar no outro com fotos de nós mesmos a mesma sensação que Narciso sentiu por si mesmo. Tanto que, muitos aplicam filtros e mais filtros em suas fotos que chegam parecerem bonecos de cera opacos e sem vida. Como se o auto-fotogafado, descontente da leitura que a câmera faz dele, introduz na imagem um filtro no intuito de agradar o expectador, e esse observador faz nova leitura, pois não vê nem a pessoa real, nem a representação da captura da câmara escura, e sim uma representação da alma daquele que se auto-fotografou: como eu quero ser visto.  

Por fim, somos sujeitos que necessitamos dessa revelação a qual o espelho é capaz de nos dar. Seja o espelho da selfie, das redes sociais, da própria fotografia quando captada e exposta ao outro, seja pela nossa condição de alferes machadiano, enfim, parece que depositamos no autorretrato a mesma essência de quando nos embelezávamos e ficávamos muito contentes quando o elogio vinha. Nosso espelho é outro. Nosso questionamento é subjetivo e vai muito além de sermos ameaçados pela beleza física do outro. Somos os novos narcisos a contemplarmo-nos com a nossa própria imagem refletida na palma da mão.

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