sexta-feira, 24 de abril de 2015

Quando da perda de um dente...



Eu perdi um ente. Não foi um parente. Foi um dente. Um dente? Perguntarão a si mesmos aqueles incrédulos das superficialidades da vida. Mas o choro de luto por uma perda dessas seria unicamente futilidade? Mereceria esta parte de nosso corpo (que muitas vezes só lembramos quando dói, ou quando a perdemos nas extrações sofríveis) tanto caso a ponto de uma reflexão existencialista? Ou até quem sabe de um simples verso narrativo poematizando as últimas horas de quem tanto contribui para pôr o alimento barriga adentro, literalmente? Se o dente for de um poeta vale tudo isso e muito mais. Primeiramente, porque o poeta veste-se de poesia, e faz poesia de tudo que acontece a sua volta. No caso, hora descrito, ao falecido tinha sido dado o prolongamento da vida. Melhor dizendo: sobrevida. Isso porque, estripulias não mais podia fazer. Nada daquele churrasco maciço de bisteca. No mais, uma carne bem macia. E sobreviveu o quanto pôde...
O tempo passou. E com o tempo veio à velhice. Descobri que os dentes também envelhecem. Chega um tempo em que perdem o vigor da mastigação soberba. Aquela em que podemos quebrar uma castanha-do-pará numa só dentada. Por fim, meu dente mais enfeitava do que participava da vida funcional de minha boca. Foi extraído. Não que estivesse podre (aliás, ninguém gosta que seja atribuído esse adjetivo a seus dentes), já que era um dente reconstruído. Mas porque viveu toda a vida que lhe foi dada.

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